quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Uma era de abas e papadas iluminadas

Proponho um desafio: leia esse texto, até o fim, sem sair da frente do computador, sem trocar de aba do navegador ou sem desviar a atenção para a televisão que está próxima a você.

Semana passada, eu estava no metrô, ouvindo música no meu celular e lendo um livro, quando, distraído, reparei nas pessoas no vagão. Contando por cima, havia uns 20 indivíduos ali, dos quais mais da metade tinha algo para “matar o tempo” (música, jornal, joguinho, e-book, tablet…). No mesmo dia, reparei na diferença das expressões inglesas kill time e spend time. Kill time se refere a arranjar algo para matar o tempo perdido, como horas em que você fica no metrô sem fazer nada, ou no aeroporto esperando por um avião. Spend time, por outro lado, se refere ao uso do seu tempo propriamente dito: você pode spend your time passeando durante o fim de semana, ou estudando para uma prova difícil da semana que vem.

Entenderam a diferença? Pois bem, eu não.

Não entendo, por ver constantemente gente killing e spending time ao mesmo tempo. Há umas duas semanas, estávamos spending time com uns amigos em um bar, quando reparei que uma menina não desgrudava os olhos do celular. De dois em dois minutos, o Whatsapp notificava que alguém, em outro lugar do mundo, também estava olhando fixamente para o celular para responder a ela.

De imediato, minha vontade foi dizer que não é legal ficar prestando atenção no celular enquanto ela estava ali, com pessoas reais ao seu redor. E, pior: falar o quanto a luz do celular embaixo do seu rosto ressaltava sua papada num ambiente escuro. Considerando sua vaidade, aposto que pelo menos o segundo argumento teria algum impacto. Mas quanto ao primeiro, fiquei pensando. Será que, para ela, a realidade era a mesma? Talvez não, poderia ser o inverso. Talvez, na ótica dela, o celular fosse a prioridade, e nós, o bar, a bebida e o mundo físico, o segundo plano naquele momento.

Percebi, então, que estamos acostumado a falar de foco, em um tempo em que essa palavra já não existe mais.

“Foco é coisa do passado. No mundo moderno, queremos sentir tudo o tempo todo. Não faz sentido em apenas dar um passeio no parque quando podemos também ouvir música nos fones de ouvido, mastigar um cachorro-quente, vestir solas vibratórias no seu máximo, e observar o carnaval ambulante da humanidade. Nossas escolhas berram o credo de uma nova ordem mundial: estímulo! O pensamento e a criatividade se tornam subservientes à meta singular de saturar nossos sentidos. Mas sou da velha escola. Se você não estiver preparada para se concentrar em mim quando estiver comigo – conversa, toque, nosso momentâneo entrelaçar das almas –, então sai da minha frente e volte para seus 500 canais de vida com som surround.” (Neil Strauss)

Assistimos a vídeos no YouTube, enquanto escrevemos para blogs e respondemos no Facebook. Lemos e ouvimos músicas ao mesmo tempo.

Assistimos TV com o notebook no colo e o celular na mão. Acreditamos, sem dúvida alguma, que temos cérebros multitarefas e que, assim como nos navegadores, podemos abrir tantas abas quanto quisermos.

E isso vicia. Faça um experimento: a cada dia, comece a colocar 5% de sal a mais nas suas refeições a partir de hoje. Em quinze dias, quando a quantidade de sal terá praticamente dobrado, volte a comer com o tempero que você come agora. A resposta vai estar ali, naquele prato sem gosto, que há quinze dias era delicioso para você.

Os textos e os parágrafos estão diminuindo, enquanto as cores e intensidade das TVs e dos telões estão aumentando. Precisamos ser estimulados cada vez mais, precisamos matar nosso desejo por mais e mais sal, fugimos a todo custo do grande inimigo da nossa geração: o tédio.

Tédio é abstinência de estímulos: é o silêncio agressivo para os que estão acostumado com fones de ouvidos escandalosos; é a palidez de um dia nublado para os acostumados com a alta resolução 3D de um televisor gigante; é a chatice de uma conversa a dois, para os acostumados a conversar com vinte amigos no bolso; é, por fim, a incômoda sensação de precisar pensar, para os que estão acostumado apenas a sentir.

Beethoven, meus caros, não escreveu a Nona enquanto conversava no Facebook. Hemingway não escreveu seus contos em frente a uma TV. Da Vinci não criaria milhares e milhares de invenções, se tivesse milhares e milhares de abas abertas em seu navegador. Freud não conheceria a fundo o funcionamento humano, se observasse apenas papadas iluminadas. Devemos muito, portanto, ao tédio – por ter dado a alguns gênios tempo para mudar nossa vida de hoje.

E quanto a nós?

Queremos continuar gastando mais de cinco horas diárias no Facebook, sem produzir absolutamente nada, e mentir para nós mesmos que estamos, pelo menos, sendo sociáveis?

Queremos reduzir nossa produtividade para matar nosso desejo pelo sal?

Queremos perder um aprendizado importantíssimo de um texto ótimo, só por trocar a aba para o YouTube?

Foco é resultado de exercício. Faça o teste inverso: tire 5% do sal da sua comida, diariamente, acostume-se com o gosto, e em quinze dias repare em como você aproveita mais os diferentes sabores da sua refeição. Esforce-se, por mais difícil que seja, para dar 100% de sua atenção para sua atividade principal, e perceba a visível melhora no resultado. Desligue as notificações de seu celular e note como as pessoas ao seu redor são interessantes. Passe vinte minutos parado, pensando, e perceba o quanto isso pode melhorar seu dia.

Se nada disso funcionar, lembre-se de como você fica feio com sua papada iluminada, e tenha o bom senso de guardar o celular.

Gustavo Di Lorenzo
Jornalista, do tipo que quer ser escritor. Busca entender um pouco de tudo, e escrever tanto quanto possível.
Publicado no site comunicadores.info

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